02 julho 2010

INTELIGÊNCIA DE FONTES ABERTAS

George Felipe de Lima Dantas e
Celso Moreira Ferro Júnior
Existe uma “nova maneira antiga” de produzir informação de significação estratégica, sob a norma de conhecimento de valor político, econômico, social, militar e até mesmo civil, tanto na atividade comercial quanto de marketing político. Tal fenômeno transcende os conceitos clássicos do que seja informação e respectiva atividade de inteligência (“’espionagem civil’ em um novo século”?). Seria o caso de uma “Nova Inteligência da Era da Informação”? – Parece que sim...
É isso que ocorre quando grandes quantidades de dados e informações, profusamente produzidos, transmitidos e hoje disponíveis na chamada “Era da Informação”, passaram a poder ser reunidos, organizados, “colados” e analisados, do que resulta um conhecimento que servirá para instrumentar o processo decisório, tanto de agentes do setor público quanto privado.
Essa “Nova Inteligência da Era da Informação” abarca novos conceitos, incluindo o de “Inteligência de Fontes Abertas” (IntelFA). Ela é uma forma de gestão do conhecimento, com a coleta de informação e conseqüente produção de conhecimento (atividade conhecida e mistificada glamourosamente quando se utiliza de meios encobertos/clandestinos para obter o chamado “dado negado”…), mas que hoje pode envolver, e tão somente encontrar, selecionar e adquirir informação de fontes de acesso público, depois processada em conhecimento de valor preciso, útil e oportuno para diversas finalidades públicas e privadas pré-determinadas.
A expressão “Fonte Aberta”, em conotação com a IntelFA, não tem nenhuma relação com a mesma expressão quando utilizada no contexto da Tecnologia da Informação. Com tal significação, a mesma expressão -- “fonte aberta” -- indica que um determinado produto informacional não está “fechado” em termos de preservação de segredos da sua arquitetura e funcionalidade lógica (algoritmos inclusive) e propriedade intelectual correspondente.
A IntelFA tem como “matéria prima” vários tipos de informações. Ela pode valer-se de fontes midiáticas, circunstância em que sua matéria prima para processamento estará disponível originalmente em jornais, revistas, programas de televisão e de rádio, ou contida em outros tipos de fontes jornalísticas hoje existentes no ambiente virtual da rede mundial de computadores.
A IntelFA também pode valer-se de material proveniente do mundo virtual, sem que ele seja, entretanto, midiático. É esse o caso em relação a produtos das modernas "comunidades sociais", em suas diferentes expressões. Uma característica marcante de tal tipo de fonte é o fato dele ser “de conteúdo gerado pelo próprio usuário”. É esse o caso das redes sociais, sítios pessoais em geral, sítios de material visual compartilhado, “wikis”, blogs e similares. Em tempos de "marketing eleitoral", essas fontes estão assumindo um significado todo especial, fazendo parte de um embate político-eleitoral que apenas começa a ser detectado e avaliado. Um dos marcos desse novo "campo de enfrentamento" foi a própria eleição presidencial dos EUA.
Um outro tipo de IntelFA lida com insumos que derivam da área oficial. Eles incluem fontes documentais tão diversas quanto “diários oficiais”, orçamentos públicos, processos de licitatórios, processos legislativos, contratos públicos, etc. Importante enfatizar que existe no Brasil uma vasta gama de documentos do gênero que precisam estar disponíveis publicamente, dado o princípio da “publicidade” que é necessariamente aplicado no caso de “negócios públicos”.
Outra das fontes da IntelFA resulta de atividades estritamente de observação e descrição. É o caso da observação realizada por pequenas aeronaves não-tripuladas (recurso hoje comum em vários países do mundo atual); sistemas de monitoramento de radio-transmissão (vários deles resultantes da chamada “Guerra Fria”); sistemas de observação por satélite (caso do "Google Earth"), Sistemas de Circuito Fechado de Televisão” (CFTV), etc. Vale destacar a relevância global dos atuais produtos e serviços do “Google Earth”, oriundos das atividades de diferentes empresas do setor privado, quando antes isso somente seria possível em situação monopolizada por órgãos de Estado ou, no mínimo, sob estrita tutela governamental indireta.
Outra fonte da IntelFA pode ser identificada no meio acadêmico ou técnico-profissional. É o conhecimento comunicado em artigos, conferências, encontros, simpósios, etc, bem como documentação especializada regularmente difundida por organizações especializadas técnico-profissionais. Aí estão incluídos tanto órgãos para-estatais quanto privados de razoável nível de credibilidade – as chamadas organizações não-governamentais (ONGs), tão em moda na contemporaneidade.
Uma característica peculiar da informação do século 21 é o fato dela poder assumir uma dimensão geoespacial. Por isso mesmo, a IntelFA inclui não apenas textos não-estruturados, codificados em linguagem semântica ordinária. Ela hoje inclui também mapas, dados de navegação (como os hoje populares dados de sistemas de navegação por geoposicionamento por satélites para orientação de veículos privados), imagens terrestres tomadas por satélites para utilização comercial e outras tantas informações mais de codificação geoespacial.
Importante notar que os "insumo informacionais" da IntelFA não estão necessariamente “web based” (contidos na rede mundial de computadores), podendo estar disponíveis, por exemplo, em arquivos de Sistemas de Informação Geográfica (Geographic Information Systems – GIS) contidos em mídia comum de transporte e circulação de arquivos digitais.
É importante ter em mente que a IntelFA não pode ser confundida com a atividade de pesquisa genericamente considerada. Ainda que tanto uma atividade quanto a outra resultem na criação de conhecimento, o produto resultante da IntelFA resulta da aplicação do “método de inteligência”, do que decorre que seus produtos guardem, função disso, a peculiaridade de poder apoiar processos decisórios específicos e envolvendo atores e organizações pré-determinadas. 
A peculiaridade da IntelFA pode ser percebida a partir de suas definições. Uma delas é a provida pelo Diretor de Inteligência dos EUA e pelo Departamento de Defesa daquele mesmo país: “A Inteligência de Fontes Abertas (Open Sources Intelligence) é produzida a partir de informação publicamente disponível e que é coletada, explorada e disseminada de maneira oportuna, para uma audiência apropriada, com o propósito de atender um requisito específico de inteligência”.
A inserção de organizações do setor privado na produção de IntelFA é um fato incontestável nos tempos atuais. Nos EUA já existem empresas formalmente estabelecidas como “vendedoras de IntelFA”. E isso é tão verdadeiro que a IntelFA consta como item do Código Comercial do Escritório de Gestão e Orçamento dos EUA – sob a “rubrica de ‘Forças de Apoio Direto’”, sob o número M320 -- Coleta e Processamento de Inteligência de Fontes Abertas. O item está assim numerado e classificado, inclusive, enquanto objeto comercial do interesse do Ministério da Defesa dos EUA.
A IntelFA está produzindo uma verdadeira "revolução silenciosa" nos ambientes clássicos da atividade de Inteligência. É o lado oculto, para a maioria, de algo conhecido e bastante utilizado, ainda, apenas por alguns. Os benefícios disso apenas começam a aparecer...

2 comentários:

Unknown disse...

Prezado Celso Ferro, excelente contribuição no texto sobre IntelFA. Entendemos que a massa disponível de informações para o profissional de inteligência nos mais variados campos, seja ele informatizado ou não, certamente facilitará para melhor se produzir um conhecimento para a tomada de decisão na esfera pública quanto a privada. Amplexos. Renato Pires - Especialista em Intel Estado.

Prof Fraga disse...

Ótimo e oportuno artigo, amigo. Mas precisamos contar com a experiência e o conhecimento técnico-científico do analista para que possa exercitar o pensamento crítico no tratamento dessas informações, não só pela enorme multiplicidade de possíveis fontes, mas, e principalmente, pelo problema de que a IntelFA (OSINT), quando trata de fontes públicas, é potencialmente falha no seu nascedouro, pois não se pode confiar na maior parte dessas fontes, que dançam ao sabor das ideologias e objetivos políticos de quem está, momentaneamente, no poder (veja o Zé Dirceu, quando ministro da Casa Civil, que determinou ao IBGE que todas as análises estatísticas que não interessavam ao governo publicar deveriam passar pelo seu crivo.