12 setembro 2012

A CIENCIA DA INFORMAÇÃO

Borko (1968) descreveu que a Ciência da Informação (CI) é como uma disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam seu fluxo, e os meios de processá-la para otimizar sua acessibilidade e uso. Está ligada ao corpo de conhecimentos relativos à origem, coleta, organização, estocagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e uso da informação. Tem um componente de ciência pura, através da pesquisa dos fundamentos, sem atentar para sua aplicação, e um componente de ciência aplicada, ao desenvolver produtos e serviços.

Por sua característica de ciência interdisciplinar, a CI deriva-se e associa-se a outras áreas do conhecimento, como Ciência da Computação, Comunicação, Administração, Informática, Matemática, Lógica, Lingüística, Psicologia, Pesquisa Operacional, Análise de Sistemas, Artes Gráficas, Educação, Biblioteconomia, Arquivística, entre outras. Assim, a biblioteca tradicional e a documentação não são mais do que aplicações particulares da Ciência da Informação. Entre um extremo e outro do processo de produção/utilização da informação, situam-se técnicos e especialistas que processam a informação contida nos diversos documentos, reunindo-a, canalizando-a, tratando-a, selecionado-a, difundindo-a, armazenando-a e recuperando-a, facilitando, assim, o trabalho dos usuários, que podem ter acesso a informação de que precisam, nos mais diferentes suportes e nas mais variadas formas de distribuição.
Foskett (1980) privilegiando a CI no aspecto de sua inserção nos campos da ciência, diz que é uma disciplina que surge de uma ´fertilização cruzada´ de ideias que incluem a velha arte da biblioteconomia, a nova arte da computação, as artes dos novos meios de comunicação e aquelas ciências como psicologia e linguística que, em suas formas modernas, têm a ver diretamente com todos os problemas da comunicação – a transferência do conhecimento organizado.
A informação se caracteriza, enquanto objeto da CI, pela função que lhe é atribuída, ou seja, uma utilidade informacional em algum momento para algum segmento institucional. Uma vez atribuída uma utilidade informacional ao objeto, em decorrência o mesmo deve ter sido registrado (para sua utilização no futuro) e armazenado de forma tal (organizado) que possa efetivamente ser encontrado quando buscado. Esta definição é restritiva, mas nos parece mais produtivo (construir conhecimento) neste sentido ao invés de adotarmos uma visão muito abrangente e nada conseguirmos avançar num universo que se diluirá em diferentes áreas do conhecimento.
Um profissional de CI detém conhecimentos teóricos e domina fundamentalmente conceitos e procedimentos que podem ser utilizados em uma série de situações que pressupõem a necessidade da organização, manipulação, disponibilização e uso da informação. Enfatizando o domínio sobre uma área do conhecimento e o espectro de atividades em que o profissional da informação pode atuar o produto gerado potencializa consideravelmente o resultado.
Lima (2003) comenta que a CI apareceu como uma nova área do conhecimento a partir da revolução técnico-científica posterior à II Guerra Mundial. O grande volume de informações gerado no crescente número de áreas do conhecimento passou a demandar um nível maior de organização informacional. As questões relativas à Recuperação da Informação (RI) desencadearam a busca da construção de um edifício teórico, empírico e prático no qual se pudesse abrigar a CI. São exemplos desse progresso a evolução de sistemas, técnicas e máquinas para recuperação de informação, assim como os estudos teóricos e experimentais sobre a natureza da informação; a estrutura do conhecimento e seus registros; os usuários da informação; o comportamento humano diante da informação e sua utilização; a interação homem-computador; a utilidade e obsolescência da informação; medidas e métodos de avaliação dos sistemas de recuperação; economia, impacto e valor da informação, entre outros. Além disso, o desenvolvimento epistemológico da CI propiciou e influenciou a emergência e a evolução da indústria informacional, a partir do pragmatismo observado na aplicação empresarial da RI.
Na Era da informação e com o desenvolvimento tecnológico, o modelo da mente humana começou a ser associado ao computador. O cérebro e a mente humanos, por sua vez, têm sido comparados ao disco rígido e softwares dos computadores: "O cérebro é somente um computador digital e a mente é somente o programa de computador" (SEARLE, 1984).
Para finalizar, Lima (2003) explica que na interseção da ciência da computação com a CI, tendo como base a aplicação dos computadores e da computação na RI, destacam-se as áreas da inteligência artificial (IA) e da interação homem-computador. A IA busca reproduzir a atividade mental do homem em tarefas como a compreensão da linguagem, a aprendizagem e o raciocínio. Essas tarefas estão associadas à CI e à CC no padrão de representação e nas atividades de processamento da informação, estabelecendo limites nos modelos de construção da representação do conhecimento.
BORKO, H. Information science: what is it? American Documentation, v. 19, n. 1, p. 3-5, 1968.  
FOSKETT, D. J. A ciência da informação como disciplina emergente: implicações educacionais: ciência da informação ou informática. Rio de Janeiro: Calunga, 1980. p. 53-69. 
LIMA, Gercina Ângela Borém. Interfaces entre a ciência da informação e a ciência cognitiva. Ci. Inf. [online]. 2003, vol.32, n.1, pp. 77-87. ISSN 0100-1965.  http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652003000100008.

02 julho 2012

O QUE É INTELIGÊNCIA POLICIAL


Instituições policiais modernas precisam estar dotadas de inteligência, ter infraestrutura tecnológica e investir na qualificação de agentes.  São organizações que atuam num ambiente de excesso de informações, e quase sempre, necessitam empregar algum método de análise. Isto significa dizer que devem possuir a capacidade de interpretação de grande quantidade de dados, extraindo significados diante de muitos nós e evidências. A atividade investigativa tem que estar apta a enxergar através da nebulosidade gerada pelo volume de informações e sentir confiança na tomada de decisões, principalmente quando se depara com atividades ilegais, cuja variedade de ações delitivas demonstra complexidade no crime.
A análise de Inteligência, realizada simultaneamente com a análise investigativa, se desenvolve pela exploração e/ou mineração de grandes bases de dados (oriundas da quebra de sigilo inclusive), proporcionando em proveito, o estabelecimento de evidências por meio da visualização das entidades relacionadas. Isso vem trazendo resultados bastante positivos  em casos complexos de corrupção,  fraudes, crimes financeiros e em geral nos crimes contra a administração pública.
É como visualizar um sistema nervoso humano. “O sistema nervoso biológico dispara reflexos para que possamos reagir rapidamente ao perigo ou à necessidade”. Ele nos dá muitas informações de que precisamos enquanto consideramos as alternativas e fazemos escolhas. Na investigação do crime complexo é como visualizar o sistema nervoso, analisando o fluxo dos delitos, conexões das ações ilegais, condutas etc.
No campo da antecipação, a Inteligência Policial (INP) é um conjunto de procedimentos realizados visando o controle efetivo do crime, ou seja, reagindo com oportunidade. Consiste num processo dinâmico que permite em perceber o desenvolvimento do crime, realizar prognósticos e planejar as respostas. A INP é um conjunto de atividades altamente especializadas, como suporte operacional. De forma sistêmica, faz uso de tecnologias modernas e métodos de produção de conhecimento, auxilia a decisão na investigação criminal e dá assistência na formação das provas.
Nas organizações policiais modernas a INP refere-se substancialmente à atividades de prospecção e monitoramento informacional, que são fundamentais e indispensáveis para a compreensão dos casos complexos. Através da prospecção informacional é possível estabelecer uma estrutura das fontes de informação, que proporciona um conhecimento significativo do fato para prever os próximos movimentos do crime.
A INP monitora informações oriundas do ambiente para se antecipar aos eventos criminais. O monitoramento do ambiente, a produção de informação e atuação sistêmica da inteligencia está diretamente relacionada a capacidade de antecipação. 
A informação também é considerada um fator estruturante e um instrumento básico para a gestão policial, portanto, a gestão efetiva da informação na organização policial requer a percepção objetiva e precisa do seu valor e a precisão dos sistemas de informação.
Considerando que a informação é a matéria prima da INP são necessários cumprir etapas fundamentais na prospecção e monitoração informacional para que seja eficaz. São elas: i) identificação das necessidades (quais assuntos devem ser monitorados e pertinência); ii) obtenção (eletrônica inclusive) pela coleta, recepção e produção; iii) tratamento (formatação, estruturação, classificação, análise, síntese); iv) distribuição (por meio da rede de conhecimento) critérios para seu fluxo Interno, externo, formal e informal; v) uso (que confere a possibilidade de combinação, credibilidade e oportunidade); e vi) reuso, (considerando nesse aspecto o processo de retroalimentação do conhecimento, possibilidade de recuperação e armazenamento).
A INP facilita a execução da gestão estratégica da informação em busca de significado (utilização do conhecimento em prol das ações institucionais). O significado da informação significa dizer que a informação pertinente deve fluir no ambiente e ser assimilada para permitir a ação policial no campo administrativo, operacional e estratégico. Por meio da estrutura da organização o processo direciona o fluxo da informação permitindo a construção do conhecimento. Nesse sentido a informação precisa estar dotada de pertinência, relevância e propósito.
Por intermédio da INP, organizações policiais buscam obter o chamado “poder de antecipação”, na lida com a evolução de um dos problemas mais cruciais que afligem a sociedade moderna, o delito violento, a corrupção e a atuações de organizações criminosas. A INP desenvolve um conjunto de ações que auxilia na determinação de padrões e tendências, descoberta de informações ocultas, em grandes bases agregadas de dados nacionais, regionais e locais, depositárias de registros de ocorrências do fenômeno do crime e da violência.

A COGNIÇÃO POLICIAL

Cognição é o elemento propulsor da organização na implementação de processos sistêmicos e continuados de coleta da informação, considerando neste aspecto a aplicação de tecnologia da informação que facilita a interpretação e a construção do conhecimento. Prosbst, Raub e Kai (2002) apontam que, ao contrário de fazer distinções nítidas entre dados, informações e conhecimento, pode ser mais útil colocá-los em uma série contínua, com os dados em uma extremidade e o conhecimento na outra.
Assim é que sinais esparsos de dados e informações reúnem-se para formar padrões cognitivos sobre os quais as ações podem basear-se. As habilidades e o conhecimento são adquiridos gradualmente, desenvolvendo-se ao longo do tempo e por intermédio de um processo em que somas de informações são reunidas e interpretadas. Tal processo pode ser definido como uma progressão ao longo de um contínuo de dados, passando por informações, elaboração do conhecimento e a Inteligência da organização.
Segundo Hayes e Allinson (1994) a cognição está relacionada à forma como as pessoas adquirem, armazenam interpretam e utilizam o conhecimento. Portanto, cognição é busca, processamento e utilização de informações, que gera um significado efetivo para a organização.
Na atividade investigativa ou preventiva a cognição é um processo mental humano dos profissionais associado à análise e ao processamento da informação para resolução de problemas e tomada de decisão. São processos desenvolvidos pela organização no tocante à busca da verdade real sobre um crime ou um fenômeno, identificação de padrões, tendências, projeções. Pela captação de dados e organização de informações em bancos de memória, realizam diagnósticos e prognósticos, produzindo conhecimento sobre as situações mais complexas do ambiente social.
A cognição está relacionada aos métodos ou procedimentos envolvidos na organização policial para ser elemento impulsionador de processos sistêmicos e continuados de coleta da informação, análise e síntese, e com a tecnologia da informação, facilitar a construção do conhecimento pertinente na atividade policial.
A infra-estrutura tecnológica que apóia a estrutura de fontes de informação amplia a capacidade de obtenção da informação, que no contexto mais genérico, significa aumentar a capacidade de gerir informação significativa e construir conhecimento. Isto promove uma visão da organização mais aberta para acesso à informação. A ênfase está na agilidade, rapidez e distribuição. A tecnologia da informação oferece coordenação e ambiente para o envolvimento de pessoas e setores em rede realizando inúmeras funções, que antes, departamentos costumavam fazer apenas poucas funções de forma centralizada.
[1] PROSBST, Gilbert; RAUB, Steffen; KAI, Romhardt. Gestão do Conhecimento: os elementos construtivos do sucesso. Editora Bookman. 2002.
[2] HAYES, J e ALLINSON, C.W. Cognitive style and its relevance for management practice. British Journal of Management, vol. 5, n.1,p.53-71,1994.

01 maio 2012

A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DA MODERNIDADE IV – Complexidade do Crime

Celso Moreira Ferro Júnior e George Felipe de Lima Dantas

A palavra "complexa", em sua etimologia, deriva de "plexus", cujo significado original, em latim, traduz a descrição anatômica de uma rede de nervos, vasos sangüíneos ou linfáticos e entrelaçados. Vem daí que o termo refere-se à qualidade do que é complexo, cujos componentes funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação, de apreensão muitas vezes difícil pelo intelecto e que geralmente apresentam diversos aspectos.
 

O que é complexo, portanto, abrange ou encerra muitos elementos ou partes, observáveis sob diferentes aspectos, grupos ou conjuntos de coisas, fatos ou circunstâncias, que tenham qualquer ligação (entrelaçamento ou vínculo) ou nexo entre si. A expressão também conota aquilo que é confuso, complicado ou intrincado.
 

A idéia que fica de complexidade pode ser também de caos, desordem, obscuridade e dificuldade. Ao reconhecer a existência de organizações em que o ambiente (ecologia) contém sistemas não-lineares, fora de equilíbrio estável e de dinâmica imprevisível, é necessário considerar um novo paradigma de cognição dessa complexidade. MORESI (2001) explica que a cognição da complexidade vem sendo utilizada para estudos no mundo da física, alguns de escala planetária, envolvendo, por exemplo, a emissão de gazes poluentes, a camada de ozônio, as correntes marítimas e o próprio aquecimento da Terra, tema candente nos dias atuais.

No mundo biológico, entretanto, a complexidade aparece em sua plenitude nos seres humanos, com seus múltiplos sistemas e aparelhos interagindo para manter a homeostasia, termo que designa a tendência inerente aos organismos vivos de manter sua estabilidade.Já nos fenômenos sociais, a complexidade pode ser observada, por exemplo, na comunicação, acelerada com importantes avanços tecnológicos que permitem interações (conectividade) cada vez mais rápidas entre pessoas, povos e nações, independente de sua proximidade geográfica ou não.

Um sistema complexo é caracterizado pela imprevisibilidade do seu comportamento, fruto da ação conjunta e aleatória de fatores internos (endógenos) e externos (exógenos). Ele pode ser compreendido por intermédio da construção de modelos ou simulações de suas entidades e do seu comportamento, mercê da observação do todo. Assim, o grau de complexidade de um determinado sistema pode ser determinado pelo levantamento do número de inter-relações entre seus elementos constitutivos, atributos e respectivos graus de organização.

Atualmente, na prática, investigadores que trabalham na elucidação de crimes e apuração de desvios e irregularidades estão baseados, primordialmente, em suas próprias experiências profissionais e intuição. As regras da experiência, dessa maneira, são exclusivamente adquiridas e assimiladas pela vivência e experiência individual. Essa experiência constitui-se em um fato genérico único, singular e isolado da ‘ecologia institucional’ ao longo da carreira dos seus prepostos.

A importância das regras da experiência no campo probatório já foi posta em relevo pela doutrina jurídica, conforme apontam MORAIS e LOPES (1994). Ainda que o legislador processual não tenha voltado os olhos para ela, a "regra da experiência" não é uma simples conexão de acontecimentos vividos, mas sim uma síntese de eventos, consubstanciada em uma espécie de asserção de caráter abstrato e genérico que pretende ser válida para casos posteriores.

O processo de assimilação e socialização do conhecimento pode ser denominado como "heurístico" [1], em sua conotação com a descoberta e a invenção. É o que também poderia ser chamado de exercício da "arte investigativa", muitas vezes considerada uma "habilidade menor", diante de uma nova "ciência investigativa", tremendamente ampliada e até mesmo glamourizada na atualidade, em suas novas possibilidades e com a utilização prática das tecnologias surgidas a partir da segunda metade do século 20 e início do século 21.Entre as novas possibilidades de produção de conhecimento científico de interesse investigativo, são dignas de destaque as resultantes da Análise de Vínculos (AV), Análise Criminal (AC) e a Inteligência de Fontes Abertas (IFA).
 
STRANO (2003) esclarece ainda que, rotineiramente, psicólogos, médicos legistas e investigadores trabalham juntos em "locais de crime", para assim produzir um "perfil do criminoso", perfil esse baseando em experiências profissionais prévias e intuições pessoais. O resultado, algumas vezes, é um retrato comportamental do criminoso, também referido como "perfil psicológico", tendo como propósito auxiliar os investigadores a diminuírem a extensão da lista de possíveis suspeitos, ou seja, reduzir o "universo amostral" da investigação da autoria de um delito.

Tal perfil, então, estará baseado na noção tradicionalmente aceita de que a análise de certas “assinaturas” comportamentais, detectáveis em locais de crime, pode sugerir as condições mentais do criminoso, tanto antes, quanto durante e após o cometimento de um delito. Contudo, essas mesmas técnicas investigativas estão muito freqüentemente sujeitas ao cepticismo de alguns, face à ausência de embasamento científico que lhes dê sustentação e, com isso, plena legitimidade (ausente aparência de sua validade e confiabilidade).

Os criminologistas ou criminólogos tem estudado tradicionalmente o comportamento socialmente desviante, utilizando para tanto métodos que derivam de uma variedade de disciplinas científicas: estatística, antropologia, psicologia, sociologia, medicina e psiquiatria, entre outras. A maioria das teorias criminológicas atribui as causas do crime e outros desvios a fatores singelos, ou em interação, de variáveis pertinentes a uma única ou combinação de uma ou mais das ciências acima referidas.

A diversidade, eficiência e a rapidez dos sistemas de comunicação e o acesso à informação são fatores propiciam o crime complexo, e por sua vez uma complexidade investigativa. A ação delituosa supera divisas e fronteiras, que seriam tempos atrás dificuldades para atuação organizada. Isso vem abrindo espaço para um fenômeno, denominado "globalização do crime" (ou "translocalização"). Tal fenômeno resulta na junção e conexão de vários tipos de crimes em Estados diferentes. Isso, por si só, já indica um quadro de complexidade, o que, conseqüentemente, demanda uma compreensão diferenciada daquela observada nos processos ordinários de cognição, a policial inclusive.
 

Embora o tráfico de drogas seja hoje o fenômeno transnacional mais lembrado, vários tipos de tráfico se estendem igualmente no mundo atual: de armas, de tecnologia (a nuclear inclusive), de seres humanos em geral, de órgãos humanos, de crianças, de defensivos agrícolas, de espécies animais e vegetais, além do contrabando de vários outros produtos com origem e destinação final em diferentes partes do globo.
 

O dinheiro, assim, pode ser considerado como sendo "o sangue que flui no corpo do tráfico e do crime organizado em geral". Sem ele, muitas vezes em grande quantidade, a "economia do crime" não apontaria, caracteristicamente, o fato de existir uma criminalidade moderna tão insidiosa e lucrativa. À medida que o mundo "fica menor", com o avanço das comunicações e a melhoria dos sistemas de acesso à informação, os criminosos passam a ter aquelas mesmas ferramentas da globalização e da translocalização, para realizar seus próprios negócios ilícitos, gerando para eles quantias fabulosas.
 

Atualmente, os criminosos têm acesso à informação e tecnologias, agem de forma diversificada, abrem empresas, estabelecem vínculos com o governo ocultam dinheiro com facilidade. No Brasil, como em vários outros países, a globalização do crime se expressa também em seu caráter "translocalizado" em nível municipal, estadual, nacional, regional, internacional e finalmente transnacional, considerando o mundo como um todo. Grupos organizados agem, portanto, articuladamente, em diferentes unidades federativas, em diversos países ou globalmente, com conexões translocalizadas de múltiplas possibilidades em suas inter-relações ou vínculos.
 

Os criminosos têm acesso à Internet, recrutam e compram fontes de informação, invadem sistemas, bases de dados, corrompem policiais, negociam com servidores, se infiltram em governos, subtraem documentos sigilosos estabelecendo na maioria das vezes vínculos espúrios com autoridades. Todo esse comportamento desviante pode ser um grave problema, e em pouco tempo, ser situação irreparável, diante de uma legislação não for cuidadosamente e rapidamente revista.

Investigar o crime e desvios como irregularidades administrativas, em tempos de globalização, implica lidar com relações numerosas de dados e informações, diversificadas e difíceis de analisar e compreender. O sucesso desse trabalho, portanto, irá quase sempre depender da capacidade de analisar e perceber, em sua complexidade, dados distintos sintetizados, depois de reunidos de suas origens em ambientes virtuais.
 

Por tudo que vai citado anteriormente, a investigação policial e administrativa precisa ser hoje multifacetada, dado a complexidade de seus objetos, devendo poder realizar as seguintes ações: (i) verificar a existência de elementos associáveis; (ii) identificar as relações entre fatos conexos e;(iii) construir modelos e sistemas integrados de informação, possibilitando a compreensão da investigação como um todo e de suas partes constitutivas singularmente (entre Estados). Tal construção resulta em estratégias e políticas para o desenvolvimento de estrutura (melhoramento das que já existem inclusive), processo (redefinição de procedimentos para a gestão do conhecimento), e produto (resultados efetivos para a tomada de decisão).

Assim, situações complexas exigem um processo de transformação de grande quantidade de dados e informações díspares em informações sintéticas, convergente e conclusivas, capazes de gerar conhecimento útil, preciso e oportuno. Com uso de tecnologias, profissionais passam a descobrir e interpretar relações ocultas entre informações contidas em grandes volumes de dados, inclusive com a substituição de diagramas intuitivos e artesanais (como nos antigos "bolotários”[2]).

Diagramas informacionais são representações gráficas, em painéis de comando e controle, capazes de indicar conexões sintéticas e de significado para o decisor, assim como outros tipos de medidores que podem ser parametrizados para a gestão estratégica da segurança pública permitindo uma visualização global, em tempo real e dinâmico de todos os acontecimentos e fatos relevantes para ação policial.

[1] Pertencente ao domínio da heurística, que por sua vez significa "arte e ciência da descoberta". A expressão deriva da raiz grega "eureca", que se traduz pelo verbo "encontrar".
[2] Quem não se lembra do bolotário, aquelas teias gráficas desenhadas em paredes ou enormes colagens de papel de fotos de pessoas e coisas, com agulhas de cabeça colorida, que investigadores vivem enfiando em quadros”? Disponível em < http://www.forumseguranca.org.br/referencias/inteligencia-organizacional-analise-de-vinculos-e-a-investigacao>. Acesso em 30 set. 2009.

26 março 2012

A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DA MODERNIDADE III (Cognição Investigativa)


Celso Moreira Ferro Júnior  e George Felipe de Lima Dantas
Etimologicamente [1], a palavra "cognição" deriva das expressões latinas "cognitio" ou "cognoscere", que por sua vez conotam as operações da mente humana que permitem estar ciente da existência de objetos, pensamentos ou percepções. Nela estão incluídos aspectos da percepção, pensamento e memória. A cognição é, portanto, um processo pertinente às operações mentais do intelecto. Já a inteligência seria a faculdade de aprender, com a cognição estando relacionada aos métodos ou processos envolvidos nessa "aprendizagem inteligente".
Com a emergência da Tecnologia da Informação (TI), surge agora, também, uma nova inteligência, a chamada Inteligência Artificial (IA). A IA representa uma tecnologia desenvolvida a partir da moderna Ciência da Computação[2], constituindo-se em um dos seus ramos atuais, relacionado com a possibilidade dos computadores adquirirem pseudo-faculdades e pseudo-comportamentos cognitivos inerentes ao que se convencionou chamar "inteligência humana".
A expressão AI ("Artificial Intelligence") teria sido cunhada em 1956 por John McCarthy, pertencente ao conhecido MIT -- Massachusetts Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Podem ser identificadas quatro áreas de aplicação da IA: (i) jogos por computador (xadrez, por exemplo); (ii) sistemas especialistas que incluem a programação de computadores para instrumentar a tomada de decisão (diagnósticos criminais e análise de vínculos, por exemplo); (iii) linguagens naturais, que permitem a interação em língua corrente entre humanos e computadores; (iv) robótica, que envolve a programação de computadores para que vejam ouçam e reajam a determinadas situações de igual maneira que seres humanos e, finalmente; (v) redes neurais ou sistemas que simulam a inteligência humana a partir do estabelecimento de conexões virtuais semelhantes àquelas existentes entre células do sistema nervoso central, ou seja, redes de pontos de interconexões, ou de vínculos.
Próximo disso é o caso dos Sistemas de Análise de Vínculos. A última das quatro áreas acima-citadas seria especificamente aplicável em auxílio à cognição humana aplicada na AV e Análise Criminal (AC). A visualização da informação, ou "inteligência visual", é parte essencial da inteligência humana, em sua capacidade específica de percepção ou cognição a partir de símbolos, códigos e sinais como os utilizados em aplicativos da AV.
 As teorias cognitivas que dão fundamento ao estudo da IA estabelecem comparações entre "input" (entrada de dados para processamento), "processamento" e "output" (processamento e saída do resultado do processamento), emulando a percepção, pensamento e processo decisório englobados no funcionamento e produção de conhecimento pela mente humana.
De acordo com FEW (2004), algumas das oportunidades mais promissoras para a inteligência de negócios, na atualidade, podem ser percebidas a partir de tecnologias que estão apenas começando a explorar um incrível potencial de visualização da informação.
Few observa ainda que não é todo tipo de informação que se presta àquele tipo de análise e apresentação. Ele aponta que a "descoberta efetiva", algumas vezes, envolve "ler através de pilhas de documentos textuais, ou de laborioso estudo, linha após linha, de detalhes de relatórios apresentados sob forma tabular". No mesmo artigo de referência, observa que freqüentemente o melhor da nossa compreensão emerge quando olhamos para "desenhos dos dados". Segundo ele, isso ocorreria em função da visão ser o sentido dominante nos seres humanos.
 No mesmo passo, aquele mesmo autor ensina que ao examinarmos dados propriamente apresentados visualmente, algumas vezes experimentamos "rasgos de reconhecimento" que somente ocorreriam após horas de laborioso estudo (sem maiores estímulos visuais) para possibilitar a mesma espécie de "descoberta". Tal descoberta seria o ápice do processo cognitivo.
Expressando de outra forma ainda, a cognição seria o elemento propulsor da consecução de processos sistêmicos e continuados de coleta da informação, tal como hoje pode ocorrer extensamente com a aplicação de TI. Isso ocorreria de tal maneira que ficasse facilitada a interpretação e construção do conhecimento.
PROSBST ET al. (2002) apontam que, ao contrário de fazer distinções nítidas entre dados, informações e o conhecimento resultante da sua análise e interação, pode ser mais útil considerá-los, todos, como partes de uma série contínua, com os dados sendo considerados em uma extremidade e o conhecimento na outra. Assim, partindo da reunião de sinais esparsos, poderiam ser formados padrões cognitivos sobre os quais as ações institucionais de uma determinada atividade-fim seriam executadas, como  acontece nas instituições que se valem da investigação na sua atividade-fim. 
As habilidades, técnicas e conhecimentos, para tanto, só podem ser lentamente adquiridos pelos seres humanos. Elas se desenvolvem ao longo do tempo, por intermédio de um processo em que agregados parciais de informações são reunidos e interpretados. Ou seja, a elaboração do chamado "conhecimento complexo" só pode ocorrer em uma lenta progressão ao longo de um contínuo de dados, informações e tempo de reflexão propriamente dito. 
Já segundo HAYES e ALLINSON (1994) a cognição está relacionada com a maneira como as pessoas adquirem, armazenam e utilizam o conhecimento. Em tal contexto, a cognição pode ser interpretada como a busca, processamento e utilização de informações, gerando finalmente um significado efetivo de conhecimento para as organizações.
A criação de significado começa quando ocorre alguma mudança no ambiente da organização, conforme explica CHOO (2003), provocando perturbações ou variações nos fluxos de experiência, que terminam assim por afetar os membros da organização considerada. Essa mudança, essencialmente ecológica (ambiental), exige que os membros da organização tentem entender diferenças e determinar seu significado.
Ao tentar entender o sentido dessas mudanças ou diferenças, os agentes da organização podem isolar parte delas para um exame mais detalhado. Necessário ter em conta, repetindo, que a cognição é um processo mental humano associado com a análise e o processamento da informação para resolução de problemas e tomada de decisão. Colocado de outra forma, a cognição envolve processos desenvolvidos pelas organizações para identificar padrões e tendências, captar dados e organizar a informação em bancos de memória, com tudo isso possibilitando a realização de diagnósticos e produção de conhecimento na esfera de atividades das organizações.
CHOO, C.W. A Organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São Paulo: Editora Senac, 2003, p. 33-34.
FEW, Stephen, A better view into relationships. Disponível em: . Acesso em 09 jul. 2005.
HAYES, J; ALLINSON, C. Cognitive style and its relevance for management practice. London: British Journal of Management, vol. 5, n.1, p.53-71, 1994.
PROBST, Gilbert; RAUB, Steffen; ROMHARDT, Kai. Gestão do conhecimento - os elementos construtivos do Sucesso. Editora Bookman, 2002, p.63-64. 17.

18 fevereiro 2012

A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DA MODERNIDADE II

Não se pode modificar drasticamente, da noite para o dia, os procedimentos da investigação criminal. Como doutrina deve ser compreendida como um conjunto de métodos e ações de comando e controle para esclarecer fatos, e como processo, submetida a uma legislação, mas que precisa ser atualizada. Somente um conjunto de ações definidas em estratégias de avanço de uma organização pode proporcionar mudanças nos sistemas, hábitos e aptidões em direção à inovação. Cabe considerar nesse aspecto a rápida evolução dos instrumentos tecnológicos e também as atividades precursoras da Inteligência.
De acordo com Dantas e Ferro Júnior (2007) verifica-se na atualidade, uma baixa efetividade dos órgãos policiais e agências regulatórias em sua capacidade de intimidação, controle e supressão do crime. Talvez em função de uma cada vez mais premente necessidade de reajuste da legislação, hoje em franco descompasso com modalidades delitivas e desviantes prevalentes na "Era da Informação".
Prosseguem dizendo que uma das características mais adversas deste novo cenário é o fato da legislação tradicional não disponibilizar instrumentos normativos ágeis e velozes para acesso à informação pelas instituições policiais e regulatórias de Estado. O status quo passa a implicar em uma decorrência perversa da aplicação de princípios jurídicos obsoletos na estonteante “Era da Informação”, mormente com referência à competência jurisdicional e administrativa das instâncias de controle econômico, político e social, tanto da União quanto dos entes federativos.
Segundo Dantas (2008), o Estado moderno estaria passando hoje por uma seqüência de estágios ou níveis de enfrentamento com o crime organizado, começando por um estágio inicial de "confrontação", quando o Estado considerado muitas vezes disporia apenas de métodos e técnicas ultrapassadas e ineficazes para confrontar e buscar conter o crime organizado, aí incluída a corrupção.
De acordo com Peterson (2005), o trabalho policial moderno está em constante desafio. Criminosos têm acesso a tecnologia avançada e desenvolvem novos métodos com capacidade de planejar o cometimento de crimes. Para emparelhar com o passo da evolução do crime, o trabalho investigativo precisa ficar mais sofisticado com a necessidade de formar analistas para ajudar a resolver os quebra-cabeças das investigações complexas.
O autor revela também que nos últimos 35 anos, a função de analista foi estendida para apoiar investigações direcionadas para homicídio, fraude, narcóticos, vício, lavagem de dinheiro e crimes ambientais como também apoiando muitas outras atividades policiais. A análise é ensinada agora não só a analistas, mas também para investigadores, Delegados de Polícia e Promotores de Justiça. Na realidade, mais investigadores são formados para a análise que os próprios analistas, simplesmente porque há muito mais investigadores. Esses que se elevaram à classe de analistas dizem que as técnicas analíticas são recursos importantes na atividade policial.
O uso sistemático da computação é uma determinante na atividade investigativa, uma vez que a informatização crescente da sociedade, órgãos públicos e empresas, possibilita a criação de vastos repositórios de dados e informações que precisam ser minerados, processados, interpretados e trabalhados para sua transformação em conhecimento pertinente. O uso de softwares e sistemas gerenciais que permitam o manuseio da massa de dados é, definitivamente, requisito prioritário, e de uma forma ou outra, é colocado hoje como exigência em todos os órgãos policiais.
Antes a informação era analisada de forma isolada, sobre crimes separados, sem relação com outros crimes. Hoje, a informação é vista no total, de forma contextual, que apontam para significados de um conjunto de delitos relacionados e que estariam ocultos na maneira tradicional de vê-los. Os relacionamentos casuais entre variáveis e os acontecimentos são assimilados pelo conjunto de casos conhecidos, onde todas as situações são avaliadas no global. A descoberta de um dado que estabelece um vínculo ou um conjunto de associações, revela padrões de ações criminosas e gera conhecimento novo para a elucidação de vários outros crimes ao mesmo tempo, a partir de uma única investigação. O que muda nesse sentido é a visão perspectiva de todos os fatos que ocorrem no ambiente, principalmente nos casos mais complexos.
Fatores podem ser destacados para evidenciar o aumento da capacidade investigativa é i) a rápida identificação de relacionamentos, participação, co-autoria e associação de várias pessoas com o fim de cometer crimes; ii) capacidade aumentada pela extração de informações das comunicações entre criminosos e pela análise dos dados (telefônicas, correspondências eletrônicas, chats e redes sociais); iii) possibilidade de visualizar e analisar a movimentação financeira, ramificações e conexões existentes entre transferências, saques, depósitos, uso de cartões etc; iv) constatação imediata da transferência de bens móveis e imóveis; v) demonstração gráfica da movimentação do crime e de pessoas pela análise do posicionamento de sinais; vi) detecção instantânea do vínculo e reatividade de pessoas com fatos e ocorrências armazenadas; vii) localização textual de argumentos e palavras em tempo real, em bases ou repositórios de fontes abertas, facilitando inclusive a associação de expressões, textos e documentos referentes a assuntos semelhantes; e viii) a visualização dinâmica de várias entidades num mesmo gráfico, sendo que entidade é uma representação para identificar um conjunto de informações.
Dantas e Ferro Júnior (2010) descrevem ainda que na atualidade, novos criminosos, de modus operandi de alta sofisticação, atuando sozinhos ou em grupos, agem de forma diversificada e original, fazendo investimentos, "terceirizando" ações criminosas e dispondo de recursos tecnológicos altamente sofisticados. Em outro novo desdobramento, os "delinqüentes da era da informação" passaram a estar costumeiramente associados a empreendimentos aparentemente legítimos, servindo de "fachada" para legalizar ou "lavar dinheiro sujo" (obtido criminosamente). A “máfia da pizza” de Nova Iorque é um exemplo clássico disso.
É prática também crescente a infiltração em ambientes antes tidos como “blindados ou invulneráveis”. Isso se refere às mais altas esferas do poder público das nações do mundo, incluindo os poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como as próprias instituições da segurança pública, a polícia entre elas.
A investigação criminal inicia-se pela coleta de informações, considerando as circunstâncias do evento. Em regra, começa com a noticia criminis, registrado em Delegacias Policiais, obtendo-se os dados preliminares, de pessoas envolvidas, veículos, objetos e descrição sucinta do acontecimento. Após, realiza-se uma pesquisa em bancos informacionais corporativos, e dependendo do crime, disponibilidade de diversos documentos (depoimentos, inquéritos, denúncias), e se disponível, análise de conteúdos de investigações pretéritas, em faixa temporal extensa.
Dependendo da massa de informações que o investigador obtém e a complexidade das relações ilícitas possíveis que surgem no caso investigado, ele passa a ter dificuldades de estabelecer as conexões lógicas dos fatos e realizar as associações necessárias entre pessoas, empresas, objetos etc. É nesta situação que a Inteligência Policial apresenta sua importância, e a atuação do analista que interage entre o investigador e a tecnologia. Não é difícil deduzir que em pouco tempo todo investigador tornar-se-á um analista e fará uso da análise de vínculos, operando na rede de informações, obtendo resultado dinâmico em cada situação nova. A inteligência alcança também as atividades acessórias, a partir da condição de que todos têm acesso ao conhecimento novo armazenado na organização.
As organizações policiais articuladas para a aprendizagem adquirem uma compreensão de que a ação eficaz é devido ao resultado dinâmico de relações entre informações, eficiência potencial e relacionamentos interpessoais, eficiência real, permitindo modificações substanciais nos seus procedimentos.