George Felipe de Lima Dantas e Celso Moreira Ferro Júnior
Os muitos escândalos no Brasil, como também no restante do mundo, envolvendo “autoridades, políticos e cidadãos supostamente acima de qualquer suspeita”, sucedem rotineiramente neste início do século. Existe, em verdade, uma delinqüência, ainda por ser especificamente definida em lei, fruto da modernidade, dos seus objetivos, métodos e atos repugnantes. Todavia, ela pode ser enquadrada, ainda que com alguma dificuldade para os agentes da lei, em antigas tipologias criminais existentes, similares, ainda que anacrônicas para caracterizar, clara, precisa e especificamente os comportamentos desviantes dos “bandidos da modernidade” do século XXI.
Apesar de que essa criminalidade sofisticada e seus agentes, socialmente diferenciados e poderosos, pareçam novos, o fenômeno que protagonizam é certamente mais antigo do que 1939, ano da sua denúncia formal proferida por Edwin Sutherland em discurso perante a Sociedade Americana de Sociologia (American Sociological Association) ao referir a expressão “crime do colarinho branco” (white collar crime).
De acordo com Sutherland (1939), tais crimes seriam cometidos por gente respeitável e de alto status social em função da atividade exercida. O termo continua gerando discussões taxonômicas, mas certamente pode ser associado a uma variedade de delitos chamados “não-violentos” e cometidos, basicamente, para obtenção de vantagem material ou financeira.
Eles são difíceis de reprimir, basicamente pela sofisticação de seus perpetradores, capazes de realizar ações complexas, dissimulatórias de transações e fora do alcance dos métodos e processos tradicionais do investigador que lida rotineiramente com a “delinqüência comum” ou “criminalidade de massa”. Afora, obviamente seus autores típicos não serem considerados classificáveis como delinqüentes ou bandidos, até mesmo porque em alguns casos são protegidos pela imunidade que detêm. Ou seja, não seriam classicamente rotuláveis como tais.
A esse respeito, Baratta (2002) refere, aludindo ao labeling approach (ou teoria da reação social), que a “crítica de esquerda denunciou, em particular, efeitos mistificantes possíveis, próprios do emprego do labeling approach”, entre eles:
Concentrar as investigações sobre certos setores do desvio e da criminalidade, sobre os quais, de fato, se concentram, com seu funcionamento socialmente seletivo, os processos de etiquetamento e de criminalização (as camadas mais débeis e marginalizadas do proletariado urbano), pode contribuir para a consolidação do estereótipo dominante da criminalidade e do desvio, como comportamento normal destes grupos sociais e deslocar, assim, a atenção dos comportamentos negativos da delinqüência de colarinho branco e dos poderosos.
Em WIKIPEDIA online, a Teoria da Rotulação (ou Teoria da Reação Social) está focada na razão pela qual a auto identidade e comportamento de um indivíduo são influenciados, ou criados, a partir da maneira pela qual ele é caracterizado e descrito pelo outros em sua respectiva sociedade. Originada na sociologia a na criminologia, a teoria está focada na tendência lingüística da maioria em rotular negativamente minorias ou aqueles vistos como desviantes da norma, estando associada com o conceito da “profecia auto-confirmatória” e o estabelecimento de estereótipos. Ela esteve mais em voga nas décadas de 1960 e 1970, mas não tanto nos dias atuais. Seu uso comum rejeita classificações (incluindo termos relativos a desvio, incapacidade ou diagnóstico de enfermidade mental) enquanto rótulo, frequentemente recorrendo a tentativas de adoção de uma linguagem mais construtiva em lugar daquela.
De fato, existe hoje, uma “delinqüência dos poderosos”. Os bandidos desse do mundo novo não atentam somente contra as pessoas e o patrimônio, “à moda antiga” dos criminosos tradicionais, mas investem contra sociedades e nações inteiras, colocando em xeque a própria credibilidade e integridade do Estado.
O “delinqüente poderoso” submete-se constantemente a pactos e traições. Seus “negócios sujos e ilícitos”, que incluem a corrupção, crimes contra a administração pública e peculato, contempla também delitos tradicionais como homicídios, ameaças, furto, estelionato, muitas vezes praticados apenas instrumentalmente, enquanto “desdobramentos do percurso” para atingirem objetivos muito maiores e abrangentes, atentatórios contra a própria credibilidade dos poderes constituídos e do “Estado Democrático de Direito”.
O “cinismo deslavado” desses novos criminosos, sustentado no essencial princípio da “presunção de inocência”, dito e repetido a cada dia no Brasil e no restante do mundo diante da mídia e de uma comunidade perplexa, é fator impeditivo da realização da justiça e manutenção da hegemonia do “Bem Comum” sobre todo e qualquer outro interesse.
A cada dia, a “nova delinqüência dos poderosos e aparentemente impessoal” do “colarinho branco” passa a ser mais visível e detectável. Isso acontece graças a uma “nova repressão qualificada”, cujo arsenal passou a estar muito mais na Inteligência de Segurança Pública (ISP) e nas suas respectivas análises investigativa e de inteligência, lastradas nas aplicações da ciência e da tecnologia do conhecimento deste novo século. A “repressão qualificada” está baseada essencialmente na “tecnologia do conhecimento”.
A análise de Inteligência policial está hoje focada não apenas em dados e informações provenientes das “fontes humanas”, já clássicas na produção de conhecimento investigativo (informantes, colaboradores, experiência individual de agentes, dentre outros), mas, também, nas chamadas “fontes de conteúdo” (registros públicos, matérias jornalísticas, depoimentos, inquéritos, por exemplo) e “fontes tecnológicas” (dados e informações provenientes da comunicação telefônica, telemática, ambiental e da rede mundial de computadores).
São várias as novas técnicas e tecnologias disponíveis para tanto. A exemplo, sistemas capazes de acessar informações em múltiplas fontes, em formatos distintos e até mesmo se estiverem geograficamente distribuídos. O grande diferencial de uma ferramenta como essa é disponibilizar os dados coletados em gráficos e diagramas visuais, potencializando a visão contextual do crime.
Em 2005, de forma pioneira, uma nova cultura de investigação criminal foi inicialmente desenvolvida pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no enfrentamento do fenômeno delitivo com uso de tecnologia. Na consecução final do projeto em 2008, cria o "Sistema Cérebro", ou Sistema de Informações e Análise Cognitiva (SIAC), que compreende um conjunto de processos especializados voltados para assessoramento à investigação criminal, especialmente aquelas cuja complexidade e volume de dados exige metodologia com uso da tecnologia de Análise de Vínculos.
O Sistema Cérebro modifica antigos procedimentos da ortodoxia da investigação policial clássica, abrindo novas fronteiras para a descoberta precisa e oportuna da consecução de ações delitivas típicas do início do século XXI. A PCDF, valendo-se de ações de inteligência e implementação de processos de análise de volume informações, trabalha hoje como uma grande organização de cultura técnico-profissional institucional, traduzida na modernidade pela sofisticação, resultante da relação entre a Gestão do Conhecimento e a Inteligência Organizacional. A sua estrutura tecnológica, alta qualidade profissional, processo cognitivo e produtos de alto valor comprobatório, lhe confere potencial investigativo para não permitir mais as ações dos chamados “delinqüentes poderosos”.
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